segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Pelo fim da publicidade dirigida às crianças


A publicidade afasta-se das crianças. Que ótimo

Eugênio Bucci *
07/02/2013

A publicidade brasileira acaba de tomar uma decisão histórica. Ela vai tratar com mais respeito as crianças. Vai ficar mais longe delas. A notícia é muito boa tanto para a própria publicidade, que com isso ganha mais respeitabilidade, como, principalmente, para a infância. Em doses exageradas, inescrupulosas, abusivas, a propaganda faz mal para o público infantil. Deve ser servida com moderação.

O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), entidade do próprio mercado publicitário, cujos códigos não têm força de lei, mas são de adesão voluntária e criteriosamente cumpridos, distribuiu agora, no início de fevereiro, uma nota oficial anunciando novas regras - com novas restrições - para os comerciais destinados às crianças. Entre outras novidades, o merchandising não será mais admitido. Não para o público infantil.

Já era tempo. O merchandising é um dos artifícios mais capciosos da indústria da propaganda. Não tem o formato do anúncio tradicional, aquele que é veiculado nos espaços comerciais claramente delimitados, como os intervalos da televisão, por exemplo, e assim, disfarçado de não anúncio, tenta ser mais convincente. O merchandising vai ao ar dentro do programa principal, como se fosse parte da história. É bastante usado nas novelas. O leitor há de lembrar. Sem mais nem menos, sem a menor congruência narrativa, a atriz fala para a outra que vai ao banco "tal" e que o banco "tal" é uma beleza, com um gerente, menina, que é uma simpatia só.

Marcas de esmalte, de xampu, de macarrão, de carro, de celular invadem a trama e lá permanecem, roubando a cena. A peso de ouro, por certo. O merchandising custa caro. É uma operação de mercado com preços tabelados, preços altos, mas seu segredo é se disfarçar, é passar seu apelo de consumo como se não fosse publicidade paga.

Que isso seja empregado para aliciar consumidores adultos desavisados, vá lá, apesar da deselegância constitutiva da coisa toda. Agora, voltar essa máquina contra olhos infantis chega a ser covardia. A própria nota do Conar reconhece "a necessidade de ampliar-se a proteção a públicos vulneráveis, que podem enfrentar maior dificuldade para identificar manifestações publicitárias em conteúdos editoriais". Atenção: o Conar admite, com todas as letras, que os públicos infantis são "vulneráveis" e precisam de proteção. Que bom que o próprio mercado publicitário - representado pelo Conar - dê mais esse passo. Histórico.

A notícia é boa também por duas outras razões.

A primeira é que os vetos ao merchandising e outras práticas - como o emprego de "crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo" - não chegam à publicidade brasileira por meio de uma medida autoritária. Ao contrário, as novas normas de proteção da infância brotam do amadurecimento natural da mentalidade dos próprios agentes de mercado. Desde 1978 o Conar vem-se firmando como um dos casos mais bem-sucedidos de autorregulação do mundo. Suas decisões nunca são contestadas. Embora não seja um órgão estatal, tem legitimidade e representatividade para retirar campanhas do ar, como já fez muitas vezes. Não é exagero dizer que o Conar é um fator civilizatório na publicidade brasileira.

A segunda razão para comemorar as novas regras é que elas ajudam a esclarecer que a liberdade de anunciar produtos não é exatamente igual à liberdade de expressão do pensamento. As duas têm status distinto na democracia. A liberdade de manifestação, de externar opiniões, assim como a liberdade de imprensa, compõe um direito fundamental inviolável. Um cidadão tem o direito pleno de, digamos, escrever um artigo em jornal defendendo a legalização da maconha e de sugerir um projeto de lei para legalizá-la. Com a publicidade é diferente. Uma agência de publicidade não tem o direito de fazer uma campanha enaltecendo o consumo da maconha do tipo A ou do tipo B. Não porque os publicitários, que também são cidadãos, não tenham liberdade de se manifestar - isso todos temos. Essa agência não pode fazer anúncio de maconha de nenhum tipo porque a maconha não pode ser legalmente comercializada - e a comunicação publicitária está subordinada às leis que regulam o mercado.

A publicidade comercial é uma extensão do comércio devidamente legal. Assim, só se podem anunciar as mercadorias e os serviços cuja comercialização não conflite com a legislação vigente. Portanto, a liberdade de anunciar não se enquadra no rol das liberdades fundamentais de informar e de ser informado. A publicidade veicula ideias e conceitos, ou algo próximo a isso, mas não realiza o direito de expressão do pensamento. Ela é uma atividade acessória do comércio, subordinando-se, logicamente, às leis do comércio.

Para sorte do País, a postura do Conar nesse episódio não se deixou confundir com o fanatismo dos fundamentalistas, segundo os quais qualquer senão a um comercial de refrigerante traz em si a mesma violência dos atos que censuram a imprensa. Ora, são matérias inteiramente diversas. Uma não tem nada que ver com a outra. O Conar não censura nada nem coisa nenhuma, apenas zela pela credibilidade do seu ramo de atuação. Anunciar quinquilharias para crianças de 5, 6 anos de idade por meio de subterfúgios e técnicas de dissimulação, por favor, isso, sim, pode ser visto como uma violência inominável. Isso, sim, conspira contra a credibilidade do mercado anunciante, em seu conjunto, e corrói a reputação de todo o setor.

Quanto ao mais, o uso de merchandising e de anúncios testemunhais para seduzir o público infantil - que é, sim, vulnerável - já não se admitem em diversas democracias. O Brasil também não precisa mais desse primitivismo. E vamos em frente, porque há mais a fazer.

* Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP e da ESPM.

Reproduzido de clipping FNDC
07 fev 2013


Leia também:

"A contribuição da Psicologia para o fim da publicidade dirigida ás crianças", do Conselho federal de Psicologia (2008) clicando aqui.

Conheça também:

A página de "Infância Livre de Consumismo", clicando aqui.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Crianças não poderão participar de propaganda na televisão



Crianças não poderão participar de propaganda na televisão

Enviado por luisnassif
sab, 02/02/2013
Da Folha

Conar proíbe participação de crianças em merchandising
De São Paulo

O Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) determinou novas regras em relação à publicidade dirigida ao público infantil -- até 12 anos.

A partir do dia 1º de março, crianças não poderão mais participar de ações de merchandising na televisão.

A realização de merchandising de produtos e serviços voltados para esse público também não será mais aceita, seja em programas voltados para o público infantil, adolescente ou adulto.

De acordo com a entidade, a publicidade de produtos e serviços focada no público infantil deve se restringir aos intervalos e espaços comerciais.

"O Conar, mais uma vez, corresponde às legítimas preocupações da sociedade com a formação de suas crianças", diz, em nota, Gilberto Leifert, presidente do conselho.

Leifert diz, contudo, que não se deve impedir a exposição de crianças à publicidade ética. "O consumo é indispensável à vida das pessoas e entendemos a publicidade como parte essencial da educação. Privar crianças e adolescentes do acesso à publicidade é debilita-las, pois cidadãos responsáveis e consumidores conscientes dependem de informação".

A autorregulamentação já previa veto a ações de merchandising de alimentos, refrigerantes e sucos em programas especificamente dirigidos a crianças.

De acordo com a entidade, ainda que seja de adesão voluntária, o documento é unanimemente aceito e praticado no país por anunciantes, agências de publicidade e veículos de comunicação.

Para ler o código na íntegra, acesse o site do Conar.

Leia a íntegra das novas regras da Seção 11 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que passam a valer em março:

*
SEÇÃO 11 - CRIANÇAS & JOVENS
Artigo 37

3 - Este Código condena a ação de merchandising ou publicidade indireta contratada que empregue crianças, elementos do universo infantil ou outros artifícios com a deliberada finalidade de captar a atenção desse público específico, qualquer que seja o veículo utilizado.

4 - Nos conteúdos segmentados, criados, produzidos ou programados especificamente para o público infantil, qualquer que seja o veículo utilizado, a publicidade de produtos e serviços destinados exclusivamente a esse público estará restrita aos intervalos e espaços comerciais.

5 - Para a avaliação da conformidade das ações de merchandising ou publicidade indireta contratada ao disposto nesta Seção, levar-se-á em consideração que:

a. o público-alvo a que elas são dirigidas seja adulto
b. o produto ou serviço não seja anunciado objetivando seu consumo por crianças
c. a linguagem, imagens, sons e outros artifícios nelas presentes sejam destituídos da finalidade de despertar a curiosidade ou a atenção das crianças.

Reproduzido de Advivo
Por Luís Nassif
02 fev 2013