segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Aplicativos infantis recolhem dados de crianças e não informam pais, diz estudo



Aplicativos infantis recolhem dados de crianças e não informam pais, diz estudo

Natasha Singer
Do "New York Times"

Centenas de aplicativos móveis para crianças não oferecem aos pais informações básicas sobre as informações confidenciais que os programas recolhem e distribuem sobre seus filhos, afirma um novo relatório federal norte-americano publicado na segunda-feira (10).

Apenas 20% dos apps para crianças oferecem informações transparentes sobre suas práticas de coleta de dados, de acordo com um relatório preparado pela FTC (Comissão Federal do Comércio) norte-americana e divulgado na segunda-feira. Os apps que oferecem informações muitas vezes apresentam links para normas de privacidade densas, longas e excessivamente técnicas, "repletas de informações irrelevantes", de acordo com o relatório.

O estudo da FTC avaliou as normas de privacidade de 400 apps infantis populares --metade dos quais disponíveis na Apple App Store e a outra metade no Android Market, do Google-- e comparou as informações prestadas pelos apps com as políticas de coletas de dados que eles efetivamente adotam.

"A maioria dos apps não presta quaisquer informações sobre os dados recolhidos, muitos menos os tipos de dados recolhidos, o propósito da coleta e quem teria acesso a eles", afirma o estudo da FTC. "Ainda mais perturbador, os resultados demonstram que muitos dos apps compartilham certas informações --como o número de telefone de um aparelho, a sua localização exata ou seu código de identificação exclusivo-- com terceiros, de acordo com o estudo.

Mais de metade dos apps estudados transmite dados sobre crianças, muitas vezes diretamente a anunciantes. Os pesquisadores também reportaram que a maioria dos apps não informa aos pais a presença de recursos interativos como publicidade, compartilhamento em redes sociais ou a possibilidade de que as crianças comprem produtos virtuais diretamente do app. Por exemplo, apenas 9% dos apps revelam aos pais que apresentam publicidade, mas os pesquisadores da FTC constataram que na realidade 58% deles contêm anúncios. Além disso, dos 24 apps que afirmaram não apresentar publicidade, dez na verdade continham anúncios, segundo o relatório.

O estudo aponta para o fato de que algumas dessas práticas podem violar a proibição da FTC a práticas desleais ou enganosas. Essas práticas também podem representar violação da lei federal de proteção à privacidade da criança, conhecida como Lei Coppa, de 1998. A lei requer que os operadores de sites obtenham o consentimento dos pais antes de recolher ou divulgar nomes, endereços ou outros dados pessoais de crianças com menos de 13 anos.

As autoridades regulatórias dizem que estão iniciando "numerosas investigações não públicas" para determinar se as discrepâncias entre as revelações dos apps quanto à coleta de dados e as práticas que eles efetivamente adotam representam violação da lei.
O relatório é parte do trabalho da FTC para fortalecer as normas de proteção à privacidade das crianças on-line.
Nos últimos meses, porém, algumas companhias de mídia importantes, bem como associações de criadores de aplicativos e do setor publicitário, vêm pressionando a FTC a atenuar as atualizações que ela propõe para a Lei Coppa. O momento de divulgação do relatório sugere que a FTC pode estar tentando estabelecer as bases para proteção mais vigorosa à privacidade das crianças nas redes.

A agência espera atualizar as normas a fim de acompanhar os desdobramentos em apps móveis, reconhecimento de voz, reconhecimento facial e práticas abrangentes de coleta de dados por anunciantes. A agência propôs, por exemplo, uma lista mais longa de dados sobre crianças que requereriam consentimento paterno para coleta: fotos, gravações de voz e números de identificação exclusivos de aparelhos móveis que possam ser usados para rastrear crianças e compilar informações sobre elas em diversos aplicativos.

No relatório, as autoridades regulatórias afirmam que sua preocupação era a de que os anunciantes e empresas de coleta de dados usassem a informação obtida nos apps infantis para desenvolver perfis detalhados de crianças sem o conhecimento ou consentimento dos pais. Os defensores das crianças argumentam que perfis assim detalhados poderiam constituir risco de segurança --dando a desconhecidos a capacidade de localizar ou contatar uma criança--, bem como um risco de que a criança sofra discriminação ou influência indevida da parte dos anunciantes.

"A transmissão de informações sobre crianças a terceiros de forma invisível e sem o conhecimento dos pais causa preocupação", afirma o relatório. Por exemplo, pesquisadores da agência reportaram que 223 dos apps estudados transmitem dados a pelo menos uma de 30 redes de publicidade, companhias de análise de dados ou outras empresas externas --sem explicar por que essas organizações precisam recolher esses dados sobre as crianças. A transmissão de dados a essas empresas, afirma o relatório, ilustra o motivo para que "os pais precisem de informações claras e precisas sobre privacidade em um lugar específico e de fácil acesso".

Esse é o segundo estudo da FTC sobre o ecossistema dos apps infantis, neste ano. Um relatório divulgado em fevereiro revisava informações sobre coleta de dados às quais os pais tinham acesso fácil nas lojas de aplicativos ou nos sites das empresas criadoras de aplicativos, mas não envolveu teste comparativo entre as informações prestadas e as práticas concretas das empresas.

Desde então, autoridades regulatórias estaduais e federais fizeram diversos esforços para encorajar os criadores de apps e empresas de coleta de dados a adotar práticas mais transparentes. Kamala Harris, secretária da Justiça da Califórnia, por exemplo, assinou neste ano um acordo com diversas das principais plataformas de aplicativos para garantir que os apps oferecidos nelas apresentassem normas de privacidade. Ela também enviou, recentemente, cartas a cem empresas cujos aplicativos não se enquadravam às leis da Califórnia, que requer que postem suas normas de privacidade, informou Harris. Na semana passada, ela abriu processo contra a Delta Air Lines por não informar aos seus clientes que o app Fly Delta recolhe informações confidenciais tais como nome completo, telefone, endereço de e-mail, foto e localização do usuário.

A Administração Nacional das Telecomunicações e Informação, parte do Departamento do Comércio norte-americano, vem coordenando os esforços de grupos setoriais e de defesa do consumidor que estão tentando estabelecer um código de transparência para as práticas de coletas de dados dos apps móveis.

Mas o novo relatório da FCT concluiu que não houve grande melhora para o usuário.

"A despeito de muitos esforços de alta visibilidade para ampliar a transparência do mercado móvel, o progresso foi pequeno ou nulo", o relatório afirma. "O setor parece não ter feito grande progresso em melhorar sua transparência, desde o primeiro relatório sobre apps infantis, e a nova pesquisa confirma que dados continuam a ser revelados sem autorização em base frequente."

Os pesquisadores da agência reportaram que quase 60% dos apps infantis estufados transmitem o número de identidade do aparelho, em geral a uma rede publicitária ou outra companhia externa. Mas apenas 20% dos aplicativos revelam essas práticas. Um app mencionado no relatório "tem um sistema problemático de informação quanto a normas de privacidade", afirma o estudo, por afirmar que não compartilha dados com terceiros quando na verdade transmite o número de telefone, localização exata e identidade do aparelho a diversas redes publicitárias.

Talvez nem todos os pais estejam preocupados com publicidade, coleta de dados, compartilhamento em redes sociais ou a possibilidade de que aplicativos "gratuitos" permitam que seus filhos gastem centenas de dólares comprando produtos virtuais. Mesmo assim, afirma o relatório, os apps devem oferecer informações exatas sobre suas práticas para permitir que os pais decidam se autorizarão seus filhos a usá-los.

Tradução de Paulo Migliacci

Reproduzido de Folha UOL
10 dez 2012